
Um site multimídia produzido por Emanuela Lemes, Maria Clara Possarle e Victória Castilho
Não é novidade que os homens, por séculos e séculos da história, moldaram toda a percepção da mulher como ser sexual. Na ciência, na Igreja, na cultura, fomos escaladas a papéis impossíveis: a maluca, a prostituta, a recatada. Por sorte, hoje as mulheres não encontram um cenário tão engessado e impenetrável quanto antes, mas basta um olhar para trás para percebermos quanta estrada ainda há para percorrer.
Assim como qualquer outro tema complexo, o prazer da mulher não está imune a boatos e a missão aqui é zerar qualquer chance de vítimas da desinformação. Compreender como a herança social afetou e segue afetando as mulheres em sua autoconcepção como seres sexuais livres é o primeiro passo para a naturalização do diálogo sobre sexo como ferramenta do prazer.

Nos registros das primeiras civilizações, a sexualidade feminina foi marcada por contos e histórias do mundo divino, em que o corpo da mulher era reverenciado como algo sagrado e uma fonte inesgotável de vida nos cultos à Grande-Mãe de cada local do mundo. Foi durante a Idade Média, com a iminente influência da Igreja Católica em todas as áreas da sociedade, que a moral religiosa passou a refletir diretamente na percepção sobre o que era ou não verdade sobre a sexualidade feminina e seu corpo, enquanto a ciência avançava seus estudos sobre anatomia humana.
A partir do momento em que o homem passa a dominar as características biológicas de uma mulher, ele a enxerga apenas como objeto de procriação e dessa forma passa a controlar a sexualidade feminina, já que o corpo feminino era associado a imperfeições genéticas e criações resultantes do mal feito no Jardim do Éden - o que não passou de mais uma desculpa para diminuir e invalidar a mulher, assim como sua potência sexual.
Neste mesmo contexto também surgiu a histeria, termo que tem sua origem na palavra grega ὑστέρα, hystera, útero. A palavra ganhou relevância após ser cunhada para diagnosticar uma doença que provocava movimentos involuntários no útero, afetando todo o corpo por sufocações pélvicas, uma vez que, por ser um órgão úmido e frio, este buscasse locais mais quentes e confortáveis devido à privação de relações sexuais.
O amplo leque de sintomas incluía ansiedade, falta de ar, desmaios, intenso apetite sexual, nervosismo e uma “tendência a causar problemas”. Nessa perspectiva, o útero, que antes deveria estar sempre a serviço da procriação, tornou-se alvo do bem-estar psicológico da mulher - levando a internações em massa de mulheres em hospícios. Apenas no século 19 alguns médicos perceberam que o problema não estava no útero, mas no cérebro.
Usar a histeria para colocar a mulher em um quadro patológico falso era mais uma forma de reprimir a mulher, ultrapassando limites em nome da dominação masculina. Tal conhecimento limitado da anatomia feminina prejudicou não apenas o avanço médico sobre questões de saúde reprodutiva da mulher, como também os saberes sobre a satisfação sexual daquelas consideradas madre (da tradução para o latim, útero - aqui especificamente falando daquelas que têm útero), limitando durante gerações as discussões acerca da natureza sexual feminina.
Tal perseguição dos homens contra as mulheres também pode ser vista no
livro Malleus Maleficarum, publicado em 1471. A obra funcionava como um
manual inquisidor e ajudava a identificar ‘bruxas’ e dizia, por exemplo, que
mulheres que tinham o clitóris maior ou que o estimulavam precisavam morrer”.
O ditado diz: uma mentira repetida mil vezes vira verdade. Foi o que aconteceu - também - com a história da invenção do vibrador, o primeiro brinquedo sexual que possui registros históricos. E se você é tão curiosa (o) quanto as Marias-Sem-Vergonhas por trás deste texto, com certeza ficou com vontade de entender a história por trás dessa ferramenta comumente divulgada para as mulheres.

Se o desejo das mulheres por sexo era tão grande, qual será a melhor solução? O casamento. Neste cenário, a virgindade começou a ser tratada como moeda de troca entre as classes mais altas da sociedade. Ser “intacta” valia um casamento e um dote. A repressão contra a mulher sempre foi interessante para o Estado, já que é capaz de controlar as questões relacionadas ao sexo. Foi nesse período, na Europa dos séculos 4 ao 16, que ser virgem se tornou sinônimo de honra e pureza. Ainda com a influência da Igreja, essa ideia foi ainda mais reforçada. E os avanços científicos não pararam.
A linguagem da medicina, usada para traduzir a arte e ciência de curar, se tornou surpreendentemente violenta. Por exemplo, o anatomista Andreas Vesalius, conhecido como o “pai da anatomia moderna” após a publicação do livro “De Humani Corporis Fabrica” (1543) chamou a genitália externa feminina de Pudendum, com raiz no verbo latino “Pudere” que significa envergonhar-se. Outras partes do corpo feminino ganharam o nome de homens - e você pode conferir na aba ‘Webstories’.
É nítido que as mulheres nunca obtiveram uma relação autônoma e direta com os homens, já que estes usufruíram de características biológicas para se firmar como superior, posição que nunca fora reivindicada pelas mulheres, já que a sociedade sempre relacionou sua existência à Natureza, abrindo mão de seu próprio destino.
O cenário mudou apenas no século 19, quando surgiu um encorajamento político para discutir a sexualidade, onde métodos contraceptivos foram criados para limitar a natalidade, mortalidade e saúde - onde a mulher pôde, pela primeira vez, ter o controle sobre si. Margareth Sanger, enfermeira, sexóloga, escritora e ativista do controle de natalidade, foi a principal responsável por incentivar os estudos e o desenvolvimento da pílula anticoncepcional - um grande passo para a liberdade reprodutiva da mulher e uma conquista frente ao debate sobre o corpo sexual feminino e o prazer.
Quando muito do que se considera um comportamento certo ou errado em relação à vida sexual vem de definições feitas pela religião, até que ponto as mulheres se sentem tão livres quanto o homem para explorar, viver e falar sobre sexo umas com as outras? A teóloga e psicóloga Vanessa Bentes aponta que os princípios estabelecidos pela Igreja não são objetos de influência direta na auto descoberta sexual da mulher, mas sim, aliados quando se trata de entender seu corpo como sagrado - em que o prazer não pode ser explorado sozinho.
Já na opinião da sexóloga Thalita Cesário, há alternativas para que as instituições religiosas possam ajudar as mulheres de maneira que, o toque e o autoconhecimento sob o corpo não seja algo pecaminoso, mas sim, algo que traga a liberdade de cada mulher como indivíduo desejante e protagonista da própria sexualidade, já que, a expressão é algo inerente e, caso não desfrutada, “acaba sendo incoerente com a própria palavra de Deus, de vivenciar o corpo dado por Ele”. Para conferir mais sobre o prazer da mulher, segundo a Igreja, clique aqui e assista à videorreportagem sobre o tema.

Já sabemos do embate de séculos do cristianismo e da religião contra a liberdade das mulheres e o simples ato de se reconhecer como um ser sexual que merece sentir prazer. Também temos que reconhecer um embate ainda mais hostil e destrutivo - o contra a homossexualidade e suas diversas características.
Mas e quando esses três fatores se cruzam? E quando uma mulher que foi socializada dentro dos dogmas de uma igreja cristã é capaz de aceitar e declarar sua atração por outras mulheres? Quais são os verdadeiros efeitos na conquista do poder de viver ao lado de quem ama e não sentir uma culpa acumulada de gerações antes da sua? Seria esse o verdadeiro prazer para elas?
Para entender melhor, precisamos voltar um pouco no tempo e investigar brevemente de onde e como surgiu essa perseguição contra a comunidade LGBTQIAP+ por parte do cristianismo conservador.
Uma das principais alternativas para o porquê dessa discriminação e rejeição pela parte conservadora da religião cristã - incluindo católicos, evangélicos, protestantes e outros, é a “transgressão da lei divina”, ou seja, a infração ou violação de uma lei prevista por Deus ao criar o homem e a mulher como um tipo de par ideal no Velho Testamento, concluindo então que, ao ir contra esse princípio ideológico e dito como “modelo”, a pessoa estaria condenada e seria considerada um tipo de “abominação.”
“Acho que a culpa era mais em relação à igreja. Tipo, será que eu vou lá e posso comungar?” Carolina Gallina, mulher bissexual e socializada na religião católica.
Essas interpretações extremamente equivocadas e injustas do que pode ou não ser considerado pecado, acontecem quando passagens da Bíblia são interpretadas de forma literal. Seletivamente. Levando ao fundamentalismo religioso, a inflexibilidade, rigidez e, quando direcionada até o extremismo, pode associar-se a atos de violência devido ao fanatismo.
Segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, as denúncias de violência contra as pessoas da comunidade LGBTQIAP+ aumentaram mais de 300% nos primeiros cinco meses de 2023 em comparação com o ano anterior.
O Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil reforça que essa parcela da população brasileira tem sido vitimada por diferentes formas de mortes violentas desde a colonização do país mesmo antes das denominações atuais de sexualidade e gênero. “O Brasil se constitui como um país extremamente inseguro para essa população e com uma tendência de crescimento, nas últimas duas décadas, no número de mortes violentas de LGBTI+. É importante constar que esse aumento no número de mortes lgbt está atrelado à articulação e atenção que o movimento LGBTI+ tem dado a tal demanda, já que a violência sempre ocorreu historicamente, mas não se tinha um esforço de mensurá-la e combatê-la.”
Quando jogamos luz a um grupo ainda mais específico, o de mulheres sáficas - um termo guarda-chuva amplamente difundido pelas redes sociais atualmente que engloba todas as mulheres atraídas, exclusivamente ou não, por outras mulheres, ou seja, inclui lésbicas, bissexuais, pansexuais e outras orientações sexuais que sentem atração por outras mulheres - que cresceram e passaram a maior parte da sua infância e juventude dentro de igrejas cristãs, podemos investigar como esse período moldou ou não a sua relação com o próprio corpo, o prazer e a sexualidade.
“E por estar na igreja, talvez eu tenha me sujeitado a demorar mais para experimentar e descobrir se realmente esse desejo era legítimo ou não.” Priscila Alves, mulher lésbica socializada na igreja batista.
Durante a vídeo reportagem sobre o tema, a socióloga Amanda Rissardi, uma mulher lésbica e em um relacionamento sáfico, explicou alguns dos impactos desses fatores sociais e pessoais na vida sexual e afetiva das mulheres. “ Impactos como desconhecer o prazer ou dúvidas de como conhecer o prazer, um atraso muito grande, diferente dos meninos que são influenciados desde muito novos a explorarem o próprio corpo e o próprio prazer e suas possibilidades. (...) Isso influência as meninas a descobrirem o que gostam, a cercear vontades, a aceitarem a forma como são tratadas.”
Porém, também temos que levar em conta que, atualmente, é possível notar uma perspectiva diferente da nova geração, e até mesmo da atual geração Z, em relação ao quanto a religião ou a vivência cristã podem influenciar nas suas vidas pessoais. A cientista social Carolina Gallina, mulher bissexual e também em um relacionamento sáfico, criada nos dogmas da igreja católica desde muito nova compartilha que sente essa mudança cada vez mais próxima. “Tem pessoas do nosso grupo que são LGBT+ que saíram (da igreja) mas tem pessoas que ficaram, que são abertamente e estão até hoje.”
Priscila Alves, mulher lésbica e namorada da socióloga Amanda, começou a frequentar a igreja batista muito nova por influencia da família. Porém, hoje aos 30 anos, afirma que gostaria que algumas coisas tivessem sido diferentes: “Eu fui levada para a igreja muito jovem, tinha 4 anos de idade. Então até os 12,13 anos você ainda tem que fazer o que os seus pais querem, não há muita escolha. Mas acredito que com essa idade o nível de imersão e envolvimento é muito grande e quase que irreversível. (...) Eu acho que é válido você primeiro se entender para depois entender sobre algo que dita o que você deve fazer e como você deve agir.”
“As pessoas têm medo de dizer essa palavra tão simples, mas se soubessem o quão libertadora ela pode ser…É você olhar para a sociedade falando que você tem que fazer isso, ser aquilo, gostar daquilo, outro e simplesmente dizer “não.” Trecho do mini perfil “A liberdade de não se encaixar - Um mini perfil de uma pessoa assexual".

É intrínseco na vivência das mulheres ser dita o que fazer e como agir. Desde muito nova. No Brasil, o cenário não foi diferente: a mulher era obrigada a se guardar até o matrimônio e o controle era tanto que em 1916, no Código Civil, era assegurado o direito do divórcio se o marido descobrisse que a esposa já tinha sido "deflorada'', uma vez que tinha posse sob sua honra e ‘boa fama’.
“Art. 219. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: I – o que diz respeito à identidade do outro cônjuge, sua honra e boa fama, sendo erro tal, que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado”.
No sistema patriarcal de um país pós proclamado como República, havia outros estereótipos em relação à mulher: enquanto a mulher branca era literalmente inferiorizada, já que seu universo restringia-se apenas à família, criavam-se os mitos de exaltação sexual de pretas e mestiças, destinados ao prazer do senhor.
E pasme: a lei foi revogada apenas em 2002. Ou seja, há 20 anos. Nós herdamos uma história que não apenas impede que a gente tenha o direito de sentir prazer, como faz com que tenhamos medo dele. Mas lentamente, a partir de 1920, livros escritos por profissionais da saúde orientando homens e mulheres deram o pontapé inicial para abrir discussões entre a sociedade científica e a população de massa, surgindo também a preocupação de inserir o assunto em escolas. Uma importante figura deste período foi a política, psicóloga, psicanalista e sexóloga Marta Suplicy - que tem sua história contada na aba ‘Webstories’.
A escritora Mary Del Priore nos revela a mudança no capítulo final de Histórias Íntimas: Sexualidade e Erotismo na História do Brasil (2011), em que uma possível modificação na sociedade conhecida há anos atrás, conferindo baixos índices de natalidade e fecundidade, um aumento do número de divórcios em casais ou filhos fora do casamento tradicional. Porém, a maior delas seria a mudança simbólica.
Mulheres como Marta Suplicy, Laura Miller, Babi Xavier e Fernanda Lima são alguns rostos conhecidos por tais mudanças, já que serviram como ponto de encontro para a juventude e a cultura da mídia contemporânea que, cada vez mais, abria espaço para a mulher investigar, explorar e alienar-se ao seu próprio corpo, podendo desempenhar seu papel de autoridade com o próprio prazer - não apenas na esfera sexual, mas em todas as vertentes. Desde os programas “tira-dúvidas” até uma pitada extra de sexo, os enfoques dos programas que lidam com sexualidade são mais variados do que o repertório de posições do "Kama Sutra" - segundo uma manchete do jornalista Bruno Garcez no ano de 2000 para a Folha de S. Paulo.
Junto a isso: a inserção no mercado de trabalho, a iniciação no ramo político - todas as transformações têm o denominador comum de valorizar a independência financeira e profissional da mulher, o que contribuiu para a construção de uma nova subjetividade feminina. Essa individualização do ser, conversa cada vez mais diretamente com a vida das mulheres que pertencem a geração com o maior acesso ao conhecimento, ferramentas e recursos para seu próprio benefício. Capazes de torná-las o papel principal de sua vida pessoal e sexual. Mas dois lados ainda foram deixados de lado: a estética e o relacionamento da mulher - consigo mesma e com os outros.
Mesmo que a mulher tenha retomado as rédeas sobre seu físico, os resquícios de um patriarcado ainda são vistos não apenas na realidade, mas também retratados na cultura de inúmeras formas, colocando grandes obstáculos quando falamos da liberdade de expressão sexual feminina, principalmente se levado em conta o culto à magreza e o comportamento das mulheres durante o sexo.

Refletir a maneira que produções audiovisuais e literárias foram concebidas se faz necessário para avaliar como, ao longo de séculos, o corpo da mulher era uma ferramenta de competição. Inicialmente pela submissão ao procriar e, em uma narrativa de filmes como “Meninas Malvadas”, lançado em 2004, pela posição que ocupa socialmente: em uma roda de amigas, em uma relação romântica, no ambiente de trabalho.
Em sua coluna publicada no dia 17 de dezembro de 2002 no jornal Estadão, Arnaldo Jabor definiu que “Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos. Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão de domicílio.”, o que expressa claramente como as vivências sexuais, sob a ótica masculina, são idealizadas. Tal cenário é comumente visto em fanfictions, narrativas de ficção criadas por fãs a partir de histórias criadas por terceiro, podendo ser baseada em livros, animes, séries, filmes, novelas, bandas e atores, entre outros. De modo geral, as histórias são publicadas em plataformas como Spirit ou Wattpad, que permitem usuários a partir de 13 anos - tanto leitores como escritores.
Na adolescência muitos foram expostos, de alguma forma, à pornografia, seja por meio de filmes pornôs, sites de conteúdo explícito, fotografias, pelas redes sociais, ou até mesmo séries e filmes adolescentes. No caso de mulheres, um levantamento do PornHub feito em 2015 revela que as mulheres brasileiras são as mais que veem pornografia no mundo.
Durante muito tempo, esse tipo de conteúdo era acessado somente por homens, e hoje temos um grande acesso do público-feminino, trazendo este protagonismo para as mulheres, que hoje possuem livre acesso de assistir o que querem e quando querem. E com hormônios aflorados, qualquer conteúdo pode gerar um deslumbre, especialmente se fantasiado em uma realidade onde ídolos podem se apaixonar por “garotas comuns”, com cenas quentes e detalhadamente explícitas.
No episódio do podcast Fanfics e o prazer sexual, a jornalista Pamela Malva aborda como as fanfics ajudaram-na a se descobrir como ser sexual, transformando “um conhecimento inconsciente em algo consciente”, onde essas histórias foram, para ela, a mesma ferramenta de conhecimento que a pornografia traz para os homens sobre comportamento e vida sexual.
Não dá para alguém virar e “ensinar” meninas de 12, 13 anos que tudo bem o cara ser agressivo com você e compensar depois na cama sabe?
Pamela ainda reforça que as histórias acabam por ser “uma grande romanização do amor que a fã tem pelo ídolo”, o que também já demonstra como todos os movimentos da protagonista sempre serão em busca de agradar ou desagradar (de maneira consciente, como modo de flerte) um homem. No episódio do podcast, a jornalista também aborda como as histórias ajudam a reforçar estereótipos estéticos e de comportamento nas relações heteronormativas. Para conferir o episódio na íntegra, clique aqui!.
A pressão de ser a garota perfeita vai além de ter um comportamento, mas está principalmente na aparência. Seja magra, mas não tanto. Se vista bem. Use decotes, mas não seja vulgar. Tenha um corpo, de preferência cheio de curvas, mas não tenha sobrepeso. A busca pela ‘perfeita imperfeição’ apenas cresce - chegando, inclusive, até a região íntima. Não é atoa que o Brasil é recordista no ramo de cirurgias plásticas.
Em 2017, quase 22 mil brasileiras fizeram o procedimento de labioplastia ou ninfoplastia, de acordo com um relatório global publicado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica. A maior parte das intervenções são apenas estéticas e não provocam melhorias sexuais. Mas a grande maioria das mulheres que realizam o procedimento comentam a melhora no sexo - já que a autoconfiança e a autoestima aumentam.
Este foi o caso de Manuela Guglielmi, influenciadora digital e estudante de nutrição de 27 anos. Para o episódio do podcast Ninfoplastia: Saúde, Estética ou Fetiche?, a influencer comentou sua experiência com a labioplastia, procedimento que consiste na redução da hipertrofia dos pequenos lábios da vulva.
“Eu procurava na internet ver se eu me identificava com alguma outra ali e tal. Procuro no Google, sabe? “Lábios internos avantajados”. O que que eu achava? Isso tinha alguma coisa parecida com a minha. Eu não conseguia achar. Era realmente muito grande, muito grande.”
Além da labioplastia, existem outros tipos de cirurgia íntima como a redução da flacidez dos grandes lábios, a redução do monte de vênus, que é localizado acima do púbis — região com pelos pubianos ou até mesmo a clitoriplastia, que pode ser feita para remover excesso de pele da área e deixar o clitóris mais exposto, para reconstituição do órgão ou quando há problemas de má-formação.
Em uma roda de conversa, as mulheres não dizem que foram rejeitadas porque a vulva não parecia "jovial" ou “bonita o suficiente”. No entanto, em um sistema que constantemente alimenta a insegurança das mulheres com sua aparência, como decifrar se a ninfoplastia é uma questão de saúde, estética ou fetiche pelo corpo perfeito? A reportagem em áudio também contou com a participação da sexóloga e ginecologista Anamarya Rocha, reconhecida por atuar na maior clínica de estética do Brasil, a JK Estética, onde a médica comentou sobre o aumento da cirurgia íntima, seus riscos e benefícios. Ouça o episódio completo aqui.
Se analisados minuciosamente cada local em que a mulher e seu prazer não são protagonistas, a resposta vem diretamente da herança de uma história onde as expectativas de um eu masculino não foram atendidas, o que não apenas impede que mulheres tenham o direito de sentir prazer, como faz com que tenhamos medo dele - o que abala diretamente a autoestima da mulher.

A autoimagem da mulher está diretamente ligada à sua vida sexual. Cada vez mais nos preocupamos com o tema, reconhecendo nossas mudanças hormonais, psicológicas, corporais, de envelhecimento e principalmente as que estão relacionadas a vida sexual, tirando o foco de que nosso corpo foi feito apenas para a reprodução, trazendo para o centro e de forma mais ativa a experimentação sexual. Logo, o termo sexualidade é aqui utilizado, assim como nos dias atuais, sob uma dimensão histórica e cultural com relação à qualidade das vivências sexuais, considerando assim aspectos como expressão, o afeto, o impulso, o desejo, a sensualidade, o erotismo.

A autoimagem da mulher ainda é considerada mais baixa que a do homem. Percentualmente, a taxa das mulheres é de 13%, enquanto a do homem é apenas 9%. Somente 38% das latinas têm autoestima acima da média, tendo destaque as colombianas com 52% nesse quesito.
O estudo da Kantar de 2021, Divisão de Pesquisa de Mercado, Insights e Consultoria, considerou cinco dimensões que impactam a autoestima de uma pessoa. Os resultados das mulheres latino-americanas revelam que no aspecto sexual e corporal, 25% se sentem confortáveis e livres para decidir sobre sua sexualidade e corpo; na liberdade de expressão e pensamento, 23% conseguem que seus pontos de vista sejam ouvidos e respeitados; já na autonomia financeira, 22% são livres para gastar seu dinheiro como quiserem; nas conexões sociais, 15% possuem uma rede de pessoas com as quais podem contar e para representatividade, 14% veem pessoas públicas que sejam exemplos positivos e com quais se identificam.
Para a psicóloga Rachel Migliano, não estar bem consigo mesma prejudica nossa líbido, já que se a mulher se sente insuficiente, ela não terá relações sexuais. Para desenvolver a autoestima e consequentemente o prazer sexual feminino, é necessário ter compaixão e se respeitar acima de tudo.
“Você pode achar que tem algo errado com você e generalizar tudo, inclusive sexualmente. A autoestima realmente é uma questão que se você tiver uma boa autoestima, você tem muita chance de se dar bem na cama. Só que também, a gente tem que pensar que a autoestima não é linear em que sempre tá ótima e nivelada. Tem dia que estamos bem, dia que não tá, e temos que levar isso em conta, principalmente sexualmente”.
Basicamente, desenvolver a autoestima nos faz aumentar a confiança em sua própria aparência e habilidades sexuais, como diz Paola Giacomoni, Consultora em bem-estar íntimo e sexual. “A mulher que exercita o auto prazer será uma mulher muito mais segura na cama e na vida, ela vai saber dizer para o parceiro ou parceira o que não gosta. E sim, uma mulher que tem autoestima elevada é uma mulher segura e isso reflete diretamente na própria sexualidade e na questão do que ela reflete da sua sexualidade para o outro”.
Além disso, a ausência de confiança em seu próprio corpo e sexualidade pode acarretar relações não saudáveis, como diz a estudante de psicologia, Victória Zanirato. “Para mim isso super influencia a questão de autoestima e relações sexuais, até mesmo nas relações interpessoais que podemos ter com outras pessoas. Quando a gente não se sente confiante com a gente mesmo, a gente não consegue transmitir isso para o outro, e não consegue criar relações saudáveis e que nos façam bem”. Para entender mais como a autoestima é essencial para o prazer feminino, clique aqui e assista à videorreportagem sobre o tema.

Em um cenário de transformações sociais e avanços na luta pela igualdade de gênero, a discussão sobre o protagonismo feminino atinge um novo patamar ao explorar uma esfera muitas vezes negligenciada: o prazer sexual. As mulheres estão assumindo um papel ativo na construção de suas próprias narrativas eróticas, desafiando estigmas e redefinindo padrões.
O primeiro passo para o protagonismo feminino no prazer é a autodescoberta. Mulheres que buscam uma compreensão mais profunda de seus corpos, desafiando tabus e abraçando a educação sexual como uma ferramenta de empoderamento.
A divulgação de informações precisas e inclusivas tem sido fundamental para dar às mulheres o conhecimento necessário para terem as ideias de sua própria satisfação.
“Uma sexualidade saudável não significa só o ato sexual em si. Você se relacionar sexualmente com outra pessoa é uma opção sua. “Prazer pra mim é quando eu permito que meu corpo sinta.” Trecho do mini perfil “O prazer de sentir - Um mini perfil de uma pessoa hiperssexual”.
Por falar em autodescoberta, a massagem tântrica tem sido utilizada pelo público feminino para superar traumas, bloqueios e inibições, além de elevar a autoestima e promover o prazer feminino. É um estilo de massagem que tem como base o Tantra, que é uma filosofia surgida em 2500 a.C., cuja origem nasceu na cultura Drávida, povo que vivia no vale do Rio Indo, onde hoje é conhecido como Paquistão e tem suas raízes no Tantra Yoga.
O Tantra é uma filosofia, comportamental, de princípios matriarcais e sensoriais. Suas meditações, práticas e vivências levam ao despertar e ascender a energia Kundalini, que é a energia vital que dá movimento à vida e consequentemente todos os processos energéticos, emocionais, mentais e fisiológicos dos indivíduos. Considera-se a ascensão da Kundalini nascendo na região pélvica (chakra básico) e subindo pela coluna vertebral até o topo da cabeça (chakra primário).
A massagem tântrica busca refinar a sensibilidade, no intuito de expandir e intensificar a sensação orgástica, encadeando diversos agrupamentos musculares na reação bioelétrica do orgasmo. Não só isso, alguns tipos dessa massagem também buscam tonificar e fortalecer os músculos genitais de homens e mulheres, a fim de proporcionar uma maior sustentação de bioenergia.
Ela difere da massagem tradicional porque trabalha para remover os bloqueios, sejam elas físicas, mentais, emocionais, sexuais ou mesmo psicossomáticas.
Para a terapeuta tântrica, Deva Amini, uma boa massagem tântrica pode causar um relaxamento profundo a ponto de se livrar de estresse, cansaço e dor muscular. Além disso, por trabalhar a energia corporal, também ajuda no combate da ansiedade e depressão. Para as mulheres, é possível trabalhar o vaginismo, diminuir as cólicas menstruais e promover o autoconhecimento e autoestima.
A terapeuta tântrica Fernanda Silva, conhecida como Jaya, complementa que auxilia na lubrificação e libido, isso porque ela contribui para a recuperação da resposta sexual por meio da exploração de diversos pontos erógenos do corpo. O principal disso tudo é: mulheres atingem o orgasmo durante a massagem.
“Fiz a massagem em uma senhora de 60 anos que teve seu primeiro orgasmo durante a sessão, até seu marido pediu para parar e ver como ela estava reagindo porque se contorcia muito. É maravilhoso ver a evolução dela. Hoje ela é outra pessoa, está confiante, se sente bonita e amada”. Jaya, terapeuta tântrica. Para descobrir mais sobre a prática e ressignificar o que você conhece sobre ela, confira a reportagem.
Optar pela massagem tântrica ou outra prática que favoreça o prazer diz muito sobre a liberdade sexual, já que anos atrás isso jamais seria aceito como é hoje. É importante lembrar que esses hábitos variam significativamente ao redor do mundo devido a uma complexa interação de fatores culturais, religiosos, sociais, econômicos e políticos - como podemos ver no mapa interativo abaixo:
Estes hábitos são dinâmicos e estão sujeitos a mudanças ao longo do tempo, refletindo as transformações culturais e sociais da sociedade, principalmente em relação às mulheres, que têm conquistado cada vez mais espaço para realizar seus desejos.
Porém, apesar desse amplo alcance às informações e o vislumbre da liberdade sexual que as mulheres estão experimentando nos dias atuais, ainda não há recursos suficientes para que seja possível explorar por completo todas as nuances e camadas do prazer feminino.
A sexóloga, fisioterapeuta pélvica e fundadora da primeira clínica especializada no tratamento de vaginismo e dor na relação sexual do Brasil, Dra. Débora Pádua, afirma que, muitas vezes, tanto mulheres mais novas, entre 15 e 20 anos de idade, têm dúvidas parecidas com mulheres de mais idade, entre 50 a 60 anos. “A sexualidade é assim. As pessoas acabam não falando tanto sobre o assunto. Ou mesmo que as mulheres mais novas hoje tenham a internet e tenham bastante respostas, é tudo muito confuso para elas, pois as suas dúvidas são particulares. Então nem sempre elas encontram as respostas para o que precisam", esclarece.
A Dra. também destaca que, ainda hoje em suas consultas, as mulheres mais jovens têm uma maior preocupação com o próprio corpo, em questão de insegurança com o parceiro ou parceira, se irão agradar, dar prazer e satisfazer o próximo. Já as mulheres mais velhas também possuem uma certa insegurança com o próprio corpo, porém, a respeito da mudança inevitável no qual ele passa. E, principalmente, na fase da menopausa.
Algumas dessas dúvidas que variam entre as idades você pode conferir na aba ‘Webstories’.
Prazer não deve ser economizado, deve ser vivido. Como demonstramos, a jornada de cada mulher através do autoconhecimento é indispensável e totalmente individual. Mesmo que as histórias sejam contadas, às vezes, não serão o suficiente para mudar a realidade e camuflar totalmente os vestígios de uma história construída e contada sob a ótica de homens. Ainda há muita estrada a ser percorrida sobre o assunto, mas no fim, a intenção aqui é unir passado e presente para que mais e mais Marias estudem sobre prazer, sobre sexo e sobre amor.
Através dos dados trazidos, as informações levantadas, toda a pesquisa e apuração e, principalmente, os relatos de cada mulher, que compartilhou sua experiência instiguem e estimulem a todos sobre a questão, que ainda precisa de muita voz para ser debatida de forma que haja mudanças. Feito por mulheres e para mulheres - de todas as idades, orientações sexuais, etnias e níveis de intelecto, todas nós somos Maria-Sem-Vergonha. E para continuar acompanhando mais sobre o tema no dia a dia, na aba 'Webstories' separamos dicas de produções e influenciadores digitais que retratam o sexo como deve ser - sem tabu, sem frescura e como ele é.